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Interviews

Jacaranda Magazine: Conversation with Vik Muniz

Conversation with Vik Muniz – November 16, 2015
Jacaranda Magazine No. 2
*Luisa Duarte

LD: Como começou o projeto da Escola do Vidigal?

VM: Esse é um projeto antigo que na verdade temmuito a ver com o processo de reaproximação minha com o Brasil. Eu continuo morando em NY, mas durante 30 anos eu fiquei seguidamente lá. E agora passo mais tempo no Brasil. Fui para NY com 21 anos, então fiz minha carreira em NY. Eu saí do Basil um menino que se criou na periferia de São Paulo, filho de garçom e de uma telefonista e voltei um artista plástico que por conseqüência da profissão tinha que lidar com colecionadores, intelectuais, diretores de museus, curadores… Um tipo diferente de pessoa do que aquelas com as quais eu me relacionava enquanto eu estava aqui. Então meu choque foi um pouco forte porque existem contrastes sociais marcantes no país e ao mesmo tempo esses contrastes sociais e econômicos tendem a criar tendências de comportamento. Uma coisa que eu me lembro de ter me marcado muito é a maneira como os meus pais se relacionaram com a coisa de eu ser artista plástico. Eu lembro de vê-los em um vernissage na Raquel Arnaud no começo dos anos 1990 e eles estarem sendo confundidos com o pessoal que estava servindo bebida. Para o meu pai era fácil pois ele foi garçom a vida inteira, não era nenhum problema, mas eu lembro que eles estavam completamente deslocados, fora do contexto e assim eu comecei a ver toda uma realidade através dos olhos dos meus pais que é muito pertinente a situação da maioria dos brasileiros em relação a arte contemporânea.

LD: Vista como um universo muito distante

VM: Não, é galáctico, algo que não existe. Eu mesmo demorei a saber como me relacionar com esse tipo de coisa, eu não sabia qual camisa vestir em determina-das ocasiões.

LD: Até que tempo foi isso?

VM: Eu levei uns cinco, seis anos nesse processo de adaptação, digamos. Durante os anos 1990 tinha uma grande revolução na arte Americana que aconteceu ao mesmo tempo com o meu trabalho. Já no fim dos anos 1980 eu comecei a trabalhar como artista pois eu vi ali uma abertura de pensamento que tinha muito a ver com minha formação. Era interessante, eu desenhava, mas o meu trabalho tinha a ver com arte comercial, eu queria mexer com um tipo de atividade intelectual que acolhesse a questão da mídia. Eu não sabia porque tinha essa coisa de hi and low, cru e cozido. Eu achava que tudo fazia parte do mesmo pacote, tanto que sempre admirei um trabalho como o do Paul Rand por exemplo, que é um grande designer. Eu via nele o equivalente a Andy Warhol. Esse tipo de trabalho possui um efeito dentro da cultura e da sociedade tão grande quanto o dos grandes artistas. Mas mesmo as-sim muitas vezes a maneira como isso acontece coloca eles numa posição inferior. Talvez eu faça parte da primeira geração de artistas completamente expostos a mídia eletrônica, no caso a televisão. É tanta informação que você acorda e não sabe se sonhou com uma coisa que você leu, se você viu num filme, seu imaginário está todo misturado dentro dessa complexidade holográfica que é esse es-paço entre o midiático e o real. O homem contemporâneo vive uma grande ansiedade por conta dessa falta de um lugar fixo. Eu comecei a ver essa ansiedade ser compartilhada pelos intelectuais da minha geração no momento em que nos meados dos anos 1980 eu passei a frequentar as galerias do East Village e nessa época vi um trabalho, por exemplo, da Cindy Sherman, da série Still Life. Ninguém nunca precisou me explicar o trabalho dela. Cindy Sherman estava fazendo uma mediação entre o seu lugar físico e o seu lugar no universo da mídia, do desejo. Quando você vê um filme você está sempre chorando ou se emocionando com o que está acontecendo com aquele personagem, você está sem-pre criando uma ponte entre o pessoal e esse elemento universal que existe que é propagável, comum.

LD: Me fale um pouco das diferenças existentes entre o Brasil e NY justamente nessa época, a década de 1980, sob o seu ponto de vista..

VM:Quando eu comecei, o Brasil estava começando a sair de uma ditadura militar, eram momentos políticos diferentes, os EUA estavam quase com uma reavaliação de toda idéia da política da cultura de consumo. Os países tinham preocupações distintas naquele momento. Tanto que essa coisa de apropriação, um nome como o de Sherrie Levine por exemplo, é o tipo de arte que no Brasil não teve repercussão nenhuma. O brasileiro não se identificou com Jeff Koons, com Cindy Sherman. Obviamente depois as pessoas assimilaram, mas isso foi posteriormente. E no Brasil acontecia uma outra geração de artistas que tentavam recuperar um pouco mais da interação com o material, com muita liberdade, o igualmente me interessava muito.

LD: Era o tempo que se seguia à ditadura militar e o país mirava novamente a democracia…

VM: Exato, por isso havia também uma coisa de se libertar um pouco da arte que tinha um viés funcional e político. As investigações eram muito interessantes nesse sentido, principalmente no caso do Ernesto Neto, da Beatriz Milhazes, do Luiz Zerbini, do Daniel Senise…. Eu gostava das duas coisas, do que se fazia nos EUA e do que se fazia aqui. A minha geração é a geração do escracho, é a Blitz, o Asdrúbal Trouxe o Trombone… A gente não estava mais afim de ouvir falar em política.

LD: Em que ano exatamente você saiu do Brasil?

VM: Eu saí daqui em 1981, mas em 1978, uma coisa que marcou muito minha formação foi a peça “Trate-me Leão”. As primeiras vezes que eu vi as montagens do Asdrúbal foram transformadoras, e tinha ainda o “Manhas e Manias”, outros grupos teatrais… O teatro me formou nessa época.

LD: Você vinha ao Rio então…

VM: Vinha, eu vim ao Rio a primeira vez para ver um espetáculo do Asdrúbal Trouxe o Trombone no Circo Voador. Estavam ali Perfeito Fortuna, o Hamilton Vaz Pereira, a Regina Casé, foi aí que eu conheci o Leonilson, eu conheci o Zerbini também ali. Eu nunca pensei que eu fosse me tornar um artista plástico nessa época. A primeira pessoa que falou pra mim que era artista plástico foi o Leonilson, o Zé chegou e disse: eu sou artista plástico. Ninguém nunca tinha falado isso pra mim, era a mesma coisa que a pessoa dizer assim: eu sou astronauta.
Era uma turma mais focada na mecânica da representação, na mecânica do teatro, nos recursos disponíveis, você poder criar com uma economia, o que era lindo disso é que era uma economia de recursos cênicos e dramáticos mas que envolvia o público de uma forma criativa. Bastava colocar uma fileira de baldes azuis com água e havia ali um rio.

LD: Como você toda essa sua formação influenciou nesse gesto de criar uma Escola para crianças no Vidigal? O que te fez dar esse passo

VM:Existem certos momentos da vida em que a maré começa a voltar, então você que sempre se viu como um consumidor de um tipo determinado de cultura, de uma forma passiva, quer dizer, a cultura de uma outra geração que está sendo passada para você, chega um momento onde você começa a perceber a sua geração produzindo cultura de forma relevante e, chega uma hora que você percebe uma geração nova que está vin-do depois de você. Assim eu me nxergo hoje tendo uma responsabilidade, eu tenho um papel de protagonista que também é o de continuar informando gerações por vir, pois eu sou detentor de uma informação que essa geração não tem… Ou seja, eu possa ser usado…
O perfil da Escola acabará tendo haver com a minha formação de alguma maneira. Enquanto as pessoas no meio de arte estavam lendo Merleau Ponty e Adorno eu estava lendo Frederic Jamason e Marshall Mcluhan. Eu sempre gostei de qualquer coisa relacio-nada a percepção mas a minha bíblia era MCluhan, até hoje o livro mais importante que eu li em termos profis-sionais foi o “Understanding Media”. Tanto que no meu Instagram eu uso esse termo estudante de mídia como o próprio MCLuhan se refere ao leitor. Eu acho issotão legal, eu falei, “eu vou ser sempre um estudante de mídia”.

LD: Mas como é que isso se relaciona com a Escola e a sua volta para o Brasil?

VM: Eu só comecei a achar minha maneira de vol-tar pro Brasil através de um projeto que eu fiz em 1999 que se chamava “The Quiet in the Land” com a France Morin e era um projeto que tinha a Janine Antoni , o Michael Cheng… e era um grupo de artistas que ficava em Salvador trabalhando com o projeto Axé. Eu fiquei em Salvador uns 3 meses trabalhando com um grupo de crianças de rua. Minha identificação com essas crianças foi como um portal que eu descobri pra me reconectar com a minha cultura. Na verdade eu descobri que eu tinha que alimentar esse menino pobre que eu tinha deixado aqui quando eu saí no começo dos anos19 80. Eu me lembro que escolhi trabalhar com as crianças menores, porque eu achava que era mais importante causar um impacto o mais cedo possível pois aquilo iria ter uma consequência maior pois se expandia. Que nem quem faz tricô, quando você faz um erro aquilo cresce. Assim, quando eu comecei a vir pro Brasil com mais frequência no começo dos anos 2000 eu comecei a sempre pensar em estar associando um trabalho artístico e alguma atividade social para justi-ficar um pouco tudo que eu fazia, como uma maneira de ter um equilíbrio. Eu sempre trabalhei com jovens adolescentes mas o que eu sempre quis fazer é começar a tentar influenciar seres humanos logo no começo, desde crianças. O que eu sinto é uma necessidade de me envolver com grandes questões contemporâneas, uma delas é o meio ambiente, que eu fiz através do Lixo Extraordinário, eu estou começando a me envolver com migração pois eu já fui um imigrante ilegal e isso é uma coisa que me toca profundamente e outra coisa é educação. Eu acho que educação é o motor da cultura, é o que faz a cultura não só se preservar mas também se transformar. Educação é não só o que move, é o que dirige a cultura. Na educação talvez resida a solução para todas as coisas que afligem o homem contemporâneo. No fundo no fundo, problemas ambientais você pode resolver com educação, problemas sociais podem ser resolvidos com educação. A gente não está forman-do um homem melhor, a gente está formando pessoas mais eficientes do ponto de vista egoísta da sociedade contemporânea. Hoje o que a educação tem como interesse primário dentro dessa sociedade é formar consumi-dores, o que a escola faz hoje em dia… ela cria especial-izações absurdas, você faz uma coisa só e você deseja tudo. É incrível o equívoco. O ideal humano que eu imagino, ou que eu sigo, é um homem completo, um homem que é interessado por tudo, que tem interesses que vão em todos os sentidos, ele não está especializa-do em girar uma porca ou apertar um botão, ele tem um interesse completo pelo mundo.

LD: Temos então que trabalhar para criar um mundo que acolha esse tipo de homem…

VM: Sim, é isso. E a idéia da Escola vem daí. Hoje a gente está preparando gerações futuras para lidarem com ambiente midiático de 3 mil anos atrás. A ênfase é ler e escrever, é obvio que ler e escrever é super impor-tante mas num mundo completamente dominado por imagens …a gente tem assim que mudar isso…

LD: Somos analfabetos no que toca a decifração de imagens. Desde que a gente acorda até a hora de dormir somos bombardeados por signos visuais e ainda muito pouco aptos a interpretá-los em toda sua complexidade….
VM: A gente desconhece a gramática visual, mas existe uma gramática. Tem uma ordem, obviamente as imagens são muito complexas, elas dão vazão a uma ambigüidade que é mais subjetiva mas existe uma gramática, existem pontos comuns no universo da imagem, pois do contrário a gente não estaria vendo a mesma coisa tendo a mesma imagem. Quando eu mostro uma imagem que para você e pra mim é a mes-ma coisa, a gente entende a mesma coisa pois existe uma linguagem ali dentro. Essa alfabetização visual ela é inexistente nas escolas. As crianças hoje estão aprendendo passivamente, elas tem uma atitude muito passiva em relação a sociedade. Elas estão consumindo imagem, do ponto de vista geral, a imagem do joga-dor de futebol, de basquete, do pagodeiro… E estão consumindo o que faz essa imagem ser distribuída, que é a mídia, a tecnologia. Estão consumindo imagem e tecnologia, mas de forma passiva. Eu lembro de con-sertar o meu fusca com uma cueca molhada em volta da bomba de gasolina porque eu olhei para aquele motor e eu consegui entender como ele funcionava. Hoje em dia você olha o motor de uma Range Rover por exemplo e você não tem idéia de como aquilo funciona, é tudo fechado, lacrado. Então a idéia da tecnologia como sendo uma coisa hermética, fechada somente dificulta ainda mais as coisas. Ela cria mais ansiedade em relação a ela. Como se falasse a todo momento: deixa isso para os especialis-tas. Acontece que a criança chega em casa ela tem um ambiente midiático muito mais eficiente e complexo, muito mais eloquente, dentro de casa do que na escola. Na escola ele tem o professor que tem um quadro e
em casa ele tem a internet, o telefone, a televisão. E a maioria das crianças elas chegam em casa e a primei-ra coisa que fazem é ligar o desenho animado ou o videogame. Eu fiquei imaginando o que seria se essas crianças ao invés de chegarem em casa e jogarem um videogame, pois o videogame oferece um certo tipo de interatividade limitada, você interage com o programa, mas o programa você não fez, o desenho animado é simplesmente informação que você recebe, quer dizer; você não tem idéia de como é feito, agora se essas cri-anças tivessem experiência pelo menos temporária de como é feito um desenho animado, ou como de como é feito um videogame, bem cedo elas iriam começar a entender todas essas experiências que fazem parte da vida delas como um processo, uma construção. Aí está um dos maiores objetivos da Escola.

LD: Eu gostaria de resgatar algo que você falou anteriormente, sobre como ter observado o primeiro contato dos seus pais com o meio de arte foi marcante para você. Em cima disso, gostaria de te perguntar justamente sobre essa convicção que permeia toda a sua obra de que a arte contemporânea é sim passível de ser apreciada e experenciada pelo maior números de pessoas possível, e não trata-se de uma ambiente hermético como muitas vezes se pensa.

VM: O que existe é uma postura de repulsa ao público maior certas vezes, mas isso aí é totalmente uma postura. Todo artista faz qualquer exposição para o maior número de pessoas possível.

LD: Mas não vamos ser hipócritas também ao dizer que não existe nenhum preconceito no mundo da arte, talvez mais especificamente no Brasil, quando se associa sucesso na mídia, sucesso de publico, à uma falta de credibilidade crítica…

VM: É, eu acho que é uma coisa do Brasil.

LD: No Brasil existe esse mal entendido?

VM: É aqui existe mesmo. Eu acho que isso vem um pouco do que eu tinha falado antes. Os anos 1990 dos EUA não aconteceram no Brasil e isso tem uma influen-cia. Toda essa aproximação com esses filhos bastardos do Andy Wahrol começarem a aparecer e influenciar de uma forma imensa a cena da arte contemporânea americana. Estou falando de Richard Prince, de Martin Kippenberger. Um artista como Damien Hirst cuja obra principal é uma obra performática em relação ao mercado. Então eu acho que os artistas usam e abusam de todos os recursos possíveis disponíveis no ambiente da mídia e no Brasil isso não se deu dessa forma. A mídia aqui era o espaço dominante da cultura popular através da teledramaturgia, das novelas, assim associar sucesso popular e arte nunca foi fácil aqui. Eu sempre gostei de novela, eu acho que novela é um fenômeno único e exclusivo da nossa cultura e acho que talvez seja a maior manifestação de mídia interativa e não existe outra mídia de massa interativa porque a novela é interativa. Ela vai acontecendo a partir de índices, de tendências, existe uma conversa entre o escritor e o público que é constante. Caso vá perdendo ponto no ibope a nove-la vai tomando outros rumos, isso há muitos anos é assim. O que é interessante ver é que existe sim um pre-conceito muito grande com mídia de massa no Brasil e não é ruim, não é mal, é uma questão histórica. Outra característica típica do Brasil é o de depreciar o trabalho feito com as mãos. Há aí um ranço escravagista. O trabalho manual ele é feito por gente de outra casta, inferiorizada, ainda a gente associa a coisa de pegar na massa. Hoje eu tenho interesse em trazer gente de fora para dentro do meu processo de trabalho para me misturar mais com esse mundo. Isso é uma coisa que eu descobri recentemente.

LD: Me dá um exemplo desse tipo de envolvi-mento.

VM: Com Lixo Extraordinário foi assim. Trata-se de trazer gente que não necessariamente sabe nada sobre arte e trabalhar com eles em um projeto. Aquilo é tão elucidador, você começa a entender várias coisas sobre processos de trabalho, sobre o que você tira daquilo que você está fazendo e dá para aquele lugar, e vice versa. Pra mim isso é muito mais enriquecedor para o meu trabalho do que estar provando coisas para mim mesmo hoje em dia. Muitas vezes esse envolvimento acontece pois eu tenho uma coisa com injustiça que me incomoda. Cois-as que acontecem e eu fico sempre tentado inserir no meu trabalho. Algumas vezes eu não consigo ficar sem colocar. Uma delas por exemplo foi no barco “Lampedusa”, mostrado durante a abertura da última Bienal de Veneza. É impensável que a Itália tenha interrompido um projeto como o “O Mar é Nostro”, que foi elogiado por todo o mundo, pelo mundo inteiro, que salvou 140 mil pessoas, que acumulou uma quantidade enorme de inteligência sobre tráfico de seres humanos no Mediterrâneo, toda a indústria foi desmascarada. Por razões ditas econômicas se interrompe o projeto, como se nove milhões de euros mensais fosse muito caro para a comunidade Européia inteira. Isso é o que custa uma delegacia em Londres. Essa coisa de você ir para um outro lugar porque você não tem muito escolha… Eu tenho muito respeito. Eu tenho muito respeito por exemplo por gente que muda de sexo. Eu já conheci, eu tenho amigos travestis que eu acho assim, que coragem! Que princípios! Eu tenho respeito por essa coisa de você ser fiel e peitar uma mudança radical sabe, porque aquilo é teu e você as vezes coloca tudo em risco, abandona tudo. Eu abandonei tudo pra ir pros EUA porque eu não tinha muitas alternativas na época. Eu lembro que quando aconteceu aquela tragédia em 2013 de Lampedusa, com mais de 160 mortos num naugrafio, em pensei em fazer o barco e queria que ele fosse passear em Veneza para falar: olha o que aconteceu há um ano atrás, vai acontecer de novo…

LD: Como foi a reação das pessoas em Veneza?

VM: Uma semana antes de eu mostrar o meu alerta para o que poderia acontecer, aconteceu uma tragédia muito pior, foram 1.300 pessoas afogadas no período de dez dias. Então, aquilo que seria muito polêmico, acabou não sendo e acabou completamente eclipsado em relação a tragédia real que tinha acabado de acontecer. Eu achei terrível das duas maneiras pois você não precisa de uma tragédia para te fazer se lembrar da outra. E nesse momento eu já estava em contato com o pessoal do conselho italiano para refugiados e tentei fazer o melhor que eu podia fazer naquele momento. Agora estou tentando fazer um projeto para gerar fundos para construção e manutenção de escolas temporárias para crianças em campos de refugiados, tanto no norte da África como na Itália.

LD: Você está articulando isso nesse momento?

VM: Estou tentando articular. É assim, é engraçado também, por outro lado eu acho que o que eu tenho um pouco de receio é de uma arte política que ela não tenha o elemento capital atrelado a ela. Pensar que simplesmente falando de um determinado assunto você vai estar ajudando aquilo. Não é assim. Todos os meus projetos eles têm sempre um lado de produção de cap-ital. Arte é realmente uma coisa alquímica . Você tem uma idéia, você atrela aquela idéia a uma espécie de transformação material e aquilo tem um valor inacred-itável. E se aquilo acontece dentro de um contexto…

Luisa: Você tem o poder de potencializar o efeito daquele gesto e faze-lo repercutir na vida de muita gente…

VM: Sim. Se o que você fez tem vetores que são pre-cisos, você tem gente que se interessa naquilo, tem um problema que é compartilhado, de fato você potencial-iza aquela idéia de uma forma que você pode gerar uma quantidade enorme de capital. O Lixo Extraordinário teve isso e conseguiu não só ajudar as pessoas direta-mente como toda a associação dos catadores no Grande Rio e até como todos esse catadores que eram maisou menos 200 cooperativas se juntaram e começaram a fazer parte de um complexo sindical maior e com mais possibilidade de competição no mercado. Assim, todos os trabalhos que eu fiz, desde a Louis Vuitton, a abertura de novela com a Globo. O que é interessante é que todos esse projetos, todos eles sem exceção nen-huma, reverteram em algum tipo de ajuda econômicapara as pessoas que participaram, eu só ganho dinheiro vendendo fotos.

Luisa Duarte: Essa sua sensibilidade para o mundo ao redor que ultrapassa o âmbito do meio de arte possui sem dúvida um forte lastro biográfico…

VM: Uma coisa que preocupa muito a vida de um artista é a questão de ter uma família. Quando o meu primeiro filho nasceu foi justamente ele que me fez abandonar uma vida de empregos temporários e me dedicar a uma coisa só que foi fazer arte. Se o Gaspar não tivesse aparecido eu não teria me tornado artista. Hoje eu tenho quatro filhos e eu moro numa casa, eu tenho uma vida bastante normal e as vezes é uma fonte de preocupação, será que eu estou certo em ter uma família? Mas aí eu fico imaginando, é justamente essa perspectiva do homem normal que leva os filhos no colégio e tem uma vida relativamente regular isso me dá uma ótica do mundo sabe, no caminho da escola pra levar meus filhos, a reunião de pais e mestres que eu tenho que fazer, tudo isso coloca os pés no chão.


LD: Existe alguma inspiração para o projeto da Escola que você lembre agora e possa contar?

VM: Não é exatamente uma inspiração, mas eu lembro de um dia em que eu estava com o Hayao Miyazaki, o animador japonês. Eu o visitei um dia e ele me mostrou no topo da casa dele, que é fora de Tóquio, uns bichinhos com os quais ele brincava. Aí eu perguntei porque ele brincava com os bichos. Aí ele falou: eu tenho necessidade pois eu preciso me manter conectado com esse imaginário infantil, eu tenho uma escolinha que fica do lado do meu estúdio que eu visito. Ele que paga a escola e tudo e geralmente são todos os funcionários do estúdio Ghlibi que levam as criança lá, é um Day Care, uma creche. E ele visita a escola e ninguém sabe quem é ele, as crianças não sabem que ele é o dono do estúdio. Eles sabem somente que é um velhinho simpático que mora do lado. Foi aí que eu pensei assim, se eu não tiver uma escola eu vou ter que continuar tendo filho para permanecer próximo desse universo… Eu acho que vai sair mais barato ter a escola (risos). Então é uma escola na verdade para mim, para que eu continue a aprender com esse contato.


LD: Não somente aprender mas também, como você disse, transmitir aprendizados da sua geração para uma outra que vem aí crescendo dentro de contexto completamente diverso…

VM: Acho interessante pensar que a nossa talvez seja a mais importante de todas porque a gente con-seguiu criar ferramentas que nos fazem transcender o discernimento visual dos acontecimentos, dos documentos visuais. Então assim não existe mais possibilidade de você olhar uma imagem e dizer que aquilo aconteceu. Ela vai nos fazer retroceder até a invenção antes da fotografia onde você via uma pintura de uma batalha com Napoleão e você vai falar , ah aconteceu assim, é uma pintura. Então a gente vai ter que acreditar mais do que a gente acreditava na fotografia. É interessante que a fotografia existiu durante 180 anos como o único receptáculo da nossa história pessoal e coletiva. Sabe, a gente não pensou nunca que a gente ia ter que substituir isso por alguma outra coisa, e é insubstituível realmente. Nós não temos um outro formato para colocar na nossa história em forma de evidência visual e não vamos ter mais, vai acabar. Agente tem um vácuo de evidência visual no qual a nossa história vai ter que aprender a continuar existindo. Isso tem um efeito, essas técnicas que foram desenvolvidas no começo dos anos 1990, que é corel, photoshop, elas tem um impacto direto na evolução da história propriamente dita. A gente vai ter que criar…

LD: métodos para lidar com a ambiguidade entre verdade, mentira, ficção

VM: Mais do que criar uma versão da verdade, você tem todo o poder de criar a verdade que você quiser, isso aí tem muito mais a ver com a imaginação Não é uma coisa ruim porque na verdade o mundo está ficando cada vez mais como nós o pensamos. O Nelson Goodman que é um filósofo de Princeton, que tem muitos trabalhos em estética e ele tem um termo que eu adoro que é o worldmaking. Ele fala assim da fabricação do mundo, isso sendo uma atividade básica da mente consciente, que é a de fabricar mundos. E eu me baseio muito nisso. Nós estamos fabricando esses mundos mais e mais eficientes, cada um tem o seu, cada um constrói o seu mundo e o mundo, esse mundo, está virando a suspeita de uma grande imagem. A gente coexiste nessa suspeita de uma imagem que a gente compartilha quando na verdade elas são amalgamas de referência imagética que vão se acumulando ao longo de uma vida inteira. Estamos diante de um relativismo absoluto. Mas para você poder existir dentro de um caos tamanho, você vai ter que ter um discernimento muito grande, não só da história, de toda essa história da crença, mas da estória da fé nas coisas e também um aprimoramen-to essencial da relação entre a mente e a matéria. Isso que eu estava dizendo, o programa principal, de como o homem existe, e do desenvolvimento da consciência humana, ele ainda está fincado no projeto da arte, que é a evolução da interface entre a mente e a matéria.

LD: Talvez traçando essas rotas a gente ainda possa ter algum parâmetro em meio a esse turbilhão de relatividade…

VM: Acho que a gente vai conseguir algum tipo de direcionamento positivo. Eu dei uma palestra pro pessoal da Facebook que está completamente deslum-brado com as possibilidades tecnológicas e como isso está mudando o mundo…então ta, é bom pensar nisso mas é bom pensar que o mundo não é feito de informação. O mundo também é feito de informação mas ele é feito de coisas, ele é feito de coisas tangíveis , ele é feito de corpos, de mudanças, transformações, feito de perda de energia. O mundo é feito de processos que não acompanham a consciência na mesma velocidade que a informação. Eu acho que mudanças são fáceis de executar mas melhoras são mais difíceis. E quanto mais se muda menos planos você tem. A realidade é mesmo de curto termo, estamos vivendo num presente infinito. Esse presente onde você tem acesso inteiro, acesso direto e imediato a qualquer ponto do passado, ele impede até a formação de um futuro. Ele simplesmente não te dá direção.