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Interviews

(English) Bomb Magazine: Vik Muniz by Mark Magill

Entrevista com Mark Magill para a Bomb Magazine, nº 73, outono de 2000.

Vik Muniz pode ser chamado um fotógrafo, e fotografias são geralmente o produto final do seu trabalho. Mas, em outra época, ele poderia ter sido um alquimista, transformando chumbo em ouro. No caso de Vik, o chumbo foi substituído por luz. Ele é claramente um artista visual que manipula não só a luz como também os mecanismos de percepção que traduzem as mensagens transmitidas pela luz. Ele engana o olho a fim de revelar os truques que o próprio olho emprega, e como esses truques foram usados por “xamãs, padres, artistas e vigaristas” ao longo da história para evocar poder e crença. Vik trabalha com materiais rudimentares — açúcar, terra, corda, arame, calda de chocolate — para reconstruir imagens que guardamos num grande reservatório coletivo de memória visual. A qualidade de seus desenhos com estes materiais rudimentares revela um dom para trazer inteligência e humor ao lugar-comum — não muito diferente do gênio corporal de Charlie Chaplin ou Buster Keaton. Vik fotografa as imagens, e depois descarta os originais, de modo que ficamos com uma representação tentadora da ilusão que criou.

Encontrei Vik Muniz para um café da manhã em seu imaculado estúdio no Brooklyn durante uma chuva torrencial. O dia estava sombrio e Vik admitiu sua antipatia pelo escuro, o resultado de uma brincadeira envolvendo esqui-aquático na qual acabou à deriva durante quatro horas no escuro, durante uma tempestade, antes que uma equipe de busca o encontrasse. Isso talvez ajude a explicar a sua paixão por luz, em todas as suas formas. Seu estúdio contém uma coleção intrigante de dispositivos ópticos da história da visão: stereópticos, pantógrafos com espelhos semi-prateados, microscópios, prismas e lentes. O estúdio é dominado por um impressionante tripé de uma câmera 8×10 polegadas, para a qual o próprio Vik projetou as lentes. Começamos falando sobre sua fascinação com óptica, truques e Buster Keaton.

Vik Muniz: Eu sempre tenho vergonha desse meu fascínio com a mecânica, porque parece uma declaração machista. Buster Keaton disse certa vez que se não tivesse se tornado um artista teria sido um engenheiro mecânico. Eu compreendo isso, porque estudo Keaton há anos. Há algo sobre a mecânica de uma gag — quanto mais acidental parece, melhor o resultado. Keaton trabalha muito para criar algo que parece tão natural que poderia ter acontecido acidentalmente, e com isso fica mais próximo da vida, porque a vida tem este tipo de característica narrativa.

MM: A característica do acidente.

VM: Exatamente. Faço um monte de coisas que parecem acidentais. Porque isso também é o que torna algo interessante — que quase poderia ter acontecido por conta própria. Ao mesmo tempo, há toda a estrutura por trás daquilo. É um pouco como uma dançarina que faz um salto parecer fácil, mas que é o resultado uma tremenda inteligência física.

MM: Como disse Shakespeare: “Há mais do que os olhos vêem.”

VM: É como o casaco de pele na pintura “A Mulher e sua Empregada” de Vermeer, no Frick. Quando você chega perto não vê mais o casaco, apenas um borrão de pinceladas. Oscar Wilde costumava dizer que o mistério do mundo existe nas coisas visíveis, não nas invisíveis. Acho que arte, sem a pretensão de ser mais do que um exercício visual, pode realmente ser muito completa e poderosa. Fico bastante irritado com a “tematicidade” da arte contemporânea. Na minha opinião, não é o suficiente que arte seja sobre algo porque, de cara, arte deve ser sobre tudo ao mesmo tempo. Deve representar uma visão de mundo abrangente. Quando você olha para os retratos de Rembrandt, vê um artista que olhava para todo o seu mundo — está tudo lá. Acabei de ver um show em Londres de seus auto-retratos, e em cada retrato que você vê um mundo completo. É ao mesmo tempo simples e extremamente ambicioso. Rembrandt me faz querer ser um artista e, às vezes, me faz querer abandonar a profissão.

MM: Você já ouviu essa teoria sobre os auto-retratos de Rembrandt, ele ele combinava os movimentos de músculos faciais de uma maneira que não pode ser replicada? Em outras palavras, sorrir e franzir ao mesmo tempo, de forma quando você olha seus olhos ficam presos entre os dois estados.

VM: Isso é uma licença de história da arte, como a conversa sobre a Mona Lisa de Leonardo da Vinci e o uso da câmera obscura por Caravaggio. Mas é difícil confirmar isso. Rembrandt provavelmente pintou sem dar a mínima para todos esses pequenos detalhes. Existem coisas que você faz quando pinta que são automáticas. Toda a informação flui de maneira que você não percebe ou controla; a visão é complexa demais para que tenhamos compreensão total do que estamos fazendo. Um artista como Shakespeare não está olhando o mundo, ou mostrando o mundo; ele é o mundo. Ele está tentando tornar-se tudo e permear todas as esferas da subjetividade para que ele possa trazer tudo para você. O tema é apenas um canal por onde a leitura flui. A gente se depara com essa verdade quando vê um Rembrandt e quando lê Shakespeare. A visão da arte deles é imensa. Olhar estas coisas faz a gente querer fazer arte. Acho que arte não começa sendo política ou conceitual, começa sendo arte. Quaisquer repercussões políticas ou conceituais que ela evoca vêm depois.

MM: Temos arte há muito tempo, tanto tempo quando qualquer outra coisa, certo?

VM: E quantas leituras diferentes já tivemos? Cada pessoa que observa cria significados distintos.

MM: Existe um gene da arte? Que dá prazer para quem faz e para quem observa — para que a arte continue evoluindo?

VM: A biologia é uma sempre uma boa metáfora. Talvez estejamos num tempo em que ciência e arte têm que olhar uma para a outra, não apenas como exemplos, mas para que tenhamos uma compreensão comparativa de seus próprios modelos.

MM: Como cientistas.

VM: Experimento com essas coisas como um estudante de comunicação social. Estamos num ponto em que, para perceber um fenômeno, temos que mudá-lo, como colisões de partículas na física. O que mais podemos fazer sem contar da realidade concreta das coisas? A arte é tão importante quanto a ciência, porque se completam; uma é sobre o fenômeno, a outra é sobre a mente. Uma coisa é totalmente dependente da outra; é por isso que a ciência cognitiva me atrai tanto. Quantos artistas passam suas vidas inteiras fazendo objetos visuais mas nunca pegaram um livro para estudar como o olho funciona? Eles nunca estudaram a física da luz para ver como a luz se comporta. Eles nunca compraram um prisma e o seguraram contra o sol, ou qualquer uma dessas coisas realmente simples. Eu sou um artista visual, não um conceitualista. Eu faço coisas que lidam principalmente com os olhos. Nesse ponto, sou totalmente antiquado.

MM: A mente tem um grande papel no que o olho vê.

VM: A visão é uma forma de inteligência, ainda mais do que a audição. Nossos olhos humanos não são tão bons quanto os olhos das aves ou de muitos outros animais. Em vez disso, temos um enorme córtex visual, dedicado apenas à análise de estímulos visuais. Esse é o nosso verdadeiro olho. Eu tenho uma teoria de que a inteligência evoluiu da nossa incapacidade de ver tudo em foco, o olho tem que se mover para ver as coisas e, ao fazer isso introduz um conceito de narrativa e atenção que é necessário para a formação de qualquer idéia complexa.

MM: Na Idade Média, costumavam pensar que a percepção visual existia nos dois sentidos, ativamente projetada pelos olhos.

VM: É o que chamavam de visão platônica. Platão achava que os olhos enviam um feixe de luz que de alguma forma ia de encontro às coisas. A visão platônica é interessante; não é assim que ocorre fisicamente, mas é como ocorre mentalmente. Você vê as coisas do jeito que quer vê-las.

MM: Há um pouco de prazer nisso?

VM: Reconhecimento é uma espécie de conforto. Ela confirma a sua capacidade de olhar para alguma coisa e analisá-la, mas também reforça a familiaridade. O que é bom, no entanto, é ser capaz de produzir esse sentimento acolhedor quando você reconhece alguma coisa e ao mesmo tempo ser capaz de subverter esse reconhecimento. Isso nos traz de volta para ao humor e o truque, como em Buster Keaton. Eu exagero o truque no meu trabalho porque quero engajar o espectador com uma imagem mecânica que é quase inevitável, onde o espectador vê não só a arte, mas também a visão do artista.

MM: A transformação do sentimento parece importante. Você tem imagens como a explosão do Hindenburg ou o terrorista no telhado em Munique. A primeira vez que vimos essas imagens elas eram horríveis. Mas agora, ao vê-las numa galeria, o sentimento é inteiramente diferente.

VM: Na realidade não. Basta apenas que sejam vistas sob outra ótica. Isso nos leva à idéia da cópia. Arte é basicamente cópia. Acredito mais em individualidade do quem em originalidade. Vejo uma linha direta de imagens da arte rupestre até o presente. Nós melhoramos nossas habilidades de cópia através de tecnologias, e através destes instrumentos de desenvolvimento podemos ver como evoluímos; o sujeito, com sua aura de originalidade, é apenas uma desculpa para copiar. Podemos traçar esse desenvolvimento, porque a introdução de um novo meio não destruí os meios anteriores, mas simplesmente os obriga a se adaptarem à uma nova realidade. Eu sou um artista muito tradicional, como desenhista e como fotógrafo, mas o encontro improvável desses dois meios é o que dá ao meu trabalho um caráter contemporâneo. O momento em que duas mídias se encontram é o momento da verdade, em que novas formas são criadas. Não é nada muito técnico. Em geral, prefiro trabalhar num nível muito low-tech. Há algo gratificante em usar meios muito básicos para produzir uma imagem. Eu não quero maravilhá-lo com os meus poderes e então enganá-lo. Quero torná-lo consciente de quanto você quer acreditar na imagem – quero que seja consciente do grau de sua própria crença, ao invés de minha capacidade de enganá-lo. Você vê, mas ao mesmo tempo vê como funciona. Já fui chamado de ilusionista, mas sempre me considerei um realista meio deturpado.

MM: Quando você junta duas mídias, no seu caso fotografia e desenho, é quase como um acasalamento. Surge algo novo. Não é só mecânica de automóveis, onde você está consertando algo ou mantendo a mesma forma.

VM: Bem, você ainda não viu conserto criativo de automóveis, como acontece em Cuba. Eles concertam motos com peças de metralhadoras, e por aí afora. Eu vi uma obra de Chris Burden na Europa, uma enorme estrutura robótica, que era usada para fazer aviões de papel. As pessoas ficaram lá horas, olhando a obra, indo de um ponto a outro.

MM: Novamente por causa das narrativas?

VM: Sim, porque a gente fica meio bobo esperando para ver o que vai acontecer. Essa é a beleza do vídeo “The Way Things Go”, de Fischli e Weiss. É a mesma coisa com shows de televisão sobre culinária ou melhorias de casa. Existem muitas linhas de narrativa, mesmo em fotografias, porque os olhos não param de se mover. Um exemplo, que as pessoas muitas vezes não percebem, é quando estão olhando para fotografias numa revista. A fotografia nunca é a mesma na segunda vez que você olha para ela. Faço fotografias para serem colocadas na parede, porque quero que as pessoas tenham uma relação física com imagem que não seja determinada pelo comprimento de seus braços. Eu não sou um artista tipo editorial. Eu gostaria que as pessoas caminhassem em direção a uma imagem para ver como ela muda na medida que se aproximam. Imagens têm significados diferentes dependendo da distância. Há sempre micro-narrativas em jogo. Num filme, não existe apenas uma história que vai do início ao fim. Há muitas pequenas histórias que compõem o todo, pequenas cenas em cada imagem.

Para entender mídia, é preciso voltar para às formas mais básicas de arte. Acho que tudo começou como dois tipos de arte. Arte que tem origem em encarnação, como teatro, dança e música, e arte que é uma projeção gráfica, como desenho. Essas duas artes foram provavelmente desenvolvidas por xamãs primitivos. Eles sabiam que exerciam algum poder. Porque o xamã, como o mecânico, sabia criar algo que podia gerar crença. Um rei ou um chefe tem poder e sabe como usá-lo, mas não sabe como este poder é produzido. Esse é o segredo que os xamãs, mágicos, vendedores, vigaristas, e artistas possuem. De várias maneiras, continuo perpetuando a idéia de alguém que estuda os mecanismos do poder através da representação. Se há poder que vem de qualquer outra fonte, eu a desconheço. O poder vem da representação. E todos tipos de ação que tem uma certa continuidade narrativa se originam na compreensão da mecânica de representação. Em minhas foto, tento desacelerar o processo de percepção da imagem para que você realmente as veja como uma forma de narrativa.

MM: Você desacelera para expor a máquina?

VM: Sim. A razão de toda esse fascínio por coisas como o computador iMac é que você pode ver como funcionamento por dentro. Eu quero mostrar é que há uma máquina na parte de trás de sua cabeça. Não quero mostrar exatamente como funciona; quero que você tente adivinhar. Eu não sei como o iMac funciona por dentro. Posso olhar, sei que não vem de algum deus, e posso imaginar como funciona, mesmo que não compreenda tudo. Isso é uma parte importante do processo.

MM: Mas então o que é essa tentativa de adivinhar? Soa quase como o que, em épocas anteriores, funcionava como teologia.

VM: Não, não acho. Eles acreditavam. Não havia nenhuma adivinhação. Eles conheciam o poder de representação. Existem dois tipos de imagens visíveis. Coisas que são iluminadas e coisas que são luminosas quando a imagem é projetada diretamente no olho — produzido inicialmente em vitrais. Há beleza real nisso, porque luz é pura informação. Sou quase religioso a respeito da luz. Está tudo lá. Dividimos a luz, organizamos ela para que possamos entendê-la um pouco melhor. Podemos ver isso numa onda que é fragmentada, para que possamos entender as formas e tudo o mais que vemos, mas está tudo lá. Essa luz pura é a coisa mais próxima de Deus que podemos imaginar. Mas sempre precisamos de um humano para contar a história. Há sempre um trapaceiro que leva a mensagem dos deuses. Nas religiões africanas, há apenas um deus que pode realmente falar com humanos. Na mitologia grega, há Hermes, que pode vir e zoar com você. O santo, de certa forma, é um trapaceiro de sua própria espécie. Ele é o único que está além dessa luz pura, e sabe trabalhar a mecânica para que você possa compreender a luz; você é enganado pela luz, e ainda assim acredita. Ele é um criador de crenças. Nos vitrais das catedrais, temos a luz pura sendo projetada através da imagem de um santo nos olhos da pessoa que está embaixo. Hoje em dia temos a televisão, uma das formas mais recentes de luz que é projetada como a imagem de uma pessoa. No caso de apresentadores, temos alguém dizendo para você, através desta luz pura, tudo o que está acontecendo no mundo. Basicamente, é uma cabeça contando uma história. Por que mostram a mesma cara todo dia? Porque você reconhece, confia. Neste aspecto, os apresentadores são muito parecidos com santos. É preciso ser uma pessoa boa para ser um apresentador. Tente ser um apresentador que é pego cheirando cocaína! Já era. Eu amo conversas onde as pessoas discutem quem é seu apresentador favorito. É como discutir quem é seu santo favorito ou seu deus grego favorito.

MM: Isso soa a uma mistura de ciência e crença, como alquimia.

VM: Sim. Crença é uma grande parte disso. Os alquimistas diziam que podiam transformar chumbo em ouro, e por anos e anos as pessoas diziam que eles estavam errados. Mas acontece que estavam certos — é possível fazê-lo. Você só tem que mudar a estrutura atômica do chumbo, e você tem ouro. É possível fazer isso com um acelerador de partículas. Já fizeram. Só que custa muito dinheiro.

MM: O que nos traz de volta a transformação.

VM: Metamorfose de Ovídio é o meu livro favorito. Já o li várias vezes, praticamente todas as manhãs desde que tinha seis anos. Eu o mantenho ao lado da minha cama. Começa com uma frase linda: “Minha mente se curvou para falar de corpos transformados em novas formas”. Novidade não é nada senão uma espécie de esquecimento; tudo o que existe já existia em outra forma. Estou sempre olhando como uma coisa acaba ficando do jeito que fica. Crianças do Açúcar é um exemplo disso. Eu estava no Caribe quando eu vi esses filhos de cortadores de cana. Eles eram maravilhosos. Mas seus pais eram pessoas tão tristes, tão duras. Percebi que tiram a doçura das crianças ao fazê-las trabalhar nos campos. É um trabalho muito duro. Toda a doçura delas e acaba no nosso café. Então fiz desenhos delas com açúcar. Esse tipo de transformação me interessa.

MM: O que aconteceu com as crianças do açúcar? Elas chegaram a ver essas fotos?

VM: Claro. Nós mandamos as fotos para a agência de correio local. Crianças são muito importantes para mim. Fazem parte daquele grupo de pessoas que entende o poder, como magos e trapaceiros. Nascemos com tudo. Mas acho que esquecemos.

MM: Graças à educação.

VM: Sim. Quando a fotografia surgiu liberou a pintura da factualidade. Os artistas tiveram que dar um passo atrás e repensar o projeto da pintura para que ela pudesse continuar. Tiveram que recuar. Alguns seguiram para a psicologia, como Egon Schiele e Kokoshka, ou para o primitivismo, como Picasso. Alguns seguiram na direção de uma percepção infantil, como Dubuffet ou Miró. Outros começaram a olhar as imagens e analisar as pinceladas, como os impressionistas. Houve um movimento retrógrado da pintura em resposta à fotografia.

MM: Que foi novamente separada em seus elementos.

VM: Agora o fantasma da pintura voltou a assombrar a fotografia na forma da mídia digital. E a fotografia foi liberada da factualidade. A melhor coisa de ser um fotógrafo hoje em dia é que a fotografia não é mais crível, não prova nada. A maior razão para fazer algo artisticamente é que você não precisa fazê-lo de nenhuma outra forma; você faz porque quer. Estamos falando novamente de prazer. A fotografia não é vista como uma representação da realidade, como já foi o caso; é hora de parar e tentar entendê-la um pouco melhor. Como fazer isso? Você dá um passo para trás. Não em termos de psicologia ou voltar a uma percepção infantil — a pintura já fez isso. Mas o que os pintores não fizeram — é surpreendente que não o tenham feito — é revisitar a história do próprio meio. Acho que podemos fazer isto com fotografia. Hoje em dia o trabalho mais interessante é feito por pessoas que estão revisitando o meio, tentando entendê-lo, e depois fazem imagens muito simples e cativantes. Eles vêem algo que acham maravilhoso e se deixam cair na armadilha da própria imagem. Eles percebem que é simples e sabem como é feito. Fotógrafos estão voltando a fazer fotos sem câmeras, como Adam Fuss, ou fotos feitas com câmeras pinhole, como Barbara Ess, ou no meu caso, seguindo a idéia de desenvolvimentos gráficos. Comecei fazendo desenhos com arame. Depois usei materiais que pareciam gravuras feitas com barbantes. Eu segui para o grão da imagem fotográfica, a pixelização, os meios-tons, e todas as formas de representar uma imagem. Na medida em que me torno mais sofisticado na produção de uma imagem, fico um pouco arrogante. Cada vez faço algo um pouco mais difícil. Mas basicamente, na medida que vou evoluindo, estou sempre falando de coisas que são primitivas em relação aos meios técnicos de produção.

MM: Quando você começou a falar em revisitar você mencionou as crianças.

VM: Trabalhei com crianças tantas vezes, e cada vez aprendo mais. Estou fazendo um projeto em Salvador onde fui convidado para trabalhar com crianças de rua. Há uma escultura de Giacometti chamado O Objeto Invisível, que é uma figura parecida com uma cabeça iorubá africana presa a uma moldura. Ela está segurando um vazio. Está segurando nada. É uma escultura muito comovente porque fala sobre escravidão e desejo. Em Salvador há principalmente crianças negras. São muito pobres, mas são pessoas cultas. Conhecem todos os tipos tradicionais de dança e música, como tocar uma percussão e como sambar. Sabem os nomes dos deuses africanos e os rituais. Em contraste, os ricos só vão aos shoppings e compram roupas caras e importadas. Eu mostrei a imagem de Giacometti para essas crianças e elas sabiam que era cópia de uma imagem africana. Sabiam que estava segurando nada. E podiam se relacionar com esta imagem, feita por um suíço branco há quase um século. Eu desenvolvi uma série de exercícios com essas crianças, onde eu pedia para elas descreverem algo que queriam mas não podiam ter. O tempo todos elas vêem coisas na televisão e nas lojas. Elas querem essas coisas e se sentem infelizes porque são expostas a esses objetos de desejo.

Então, eu inverti tudo. Pedi-lhes para realmente imaginar o que seria a coisa que segurariam em suas mãos, o que mais desejavam. Foi maravilhoso; imaginaram coisas como lâmpadas mágicas, um monte de dinheiro, um ursinho de pelúcia, um rádio. E então escreveram a respeito do objeto e se envolveram completamente na idéia da coisa. E depois desenharam o objecto — e eu sempre perguntava como queriam reproduzi-lo. E elas perguntavam se poderiam fazê-lo em cerâmica ou papel machê. E depois de fazerem o objeto e pintá-lo, eu pedia a elas para que o tocassem. Eu as filmei segurando seus objetos e depois retirei os objetos e pedi que o sentissem sem segurá-los. Está tudo no vídeo, e também tirei fotos. O trabalho de arte é composto de 22 fotos delas segurando objetos invisíveis e também fotos dos objetos. Você tem que adivinhar qual objeto está em qual mão. Depois disso, pegamos os objetos e colocamos num saco preto que fechamos para sempre. Isso mostra o que você não pode ter, porque elas estão segurando os objetos em suas mentes mas você não pode tê-los. Elas sabem que as pessoas que vão a museus são exatamente o tipo de pessoa que está envolvida na produção e exibição de coisas que elas não podem ter. Dessa vez elas viraram a mesa e aprenderam a ser os produtores do desejo.