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A soma das partes (Divas and Monstros)

by Nessia Leonzini

Divas e Monstros, entre os trabalhos mais recentes do artista Vik Muniz, faz parte das series Imagens de Diamantes e Imagens de Caviar e consiste em 12 fotografias coloridas compostas de diamantes e caviar.

As fotos nasceram a partir de uma visita a um escritorio no distrito de Diamantes, em Nova York. Atraves de um estereomicroscopio, Muniz observou o efeito e a irradiacao da luz sobre as facetas talhadas dos diamantes e foi imediatamente seduzido pelas pedras.

A primeira ideia foi desenhar com diamantes as stars de Hollywood: as pedras endossam a mesma nocao de luxo e glamour atribuída às divas do cinema. O caviar, como elemento de representacao imagetica, tambem.

Se os diamantes projetam luz e beleza, a densa textura negra do caviar contem a feiura dos monstros. Se o caviar e um material temporario, perecível e orgânico (para desenhar os monstros, Muniz teve de improvisar uma mesa em cima de um bloco de gelo), os diamantes sao solidos e eternos. A efemeridade do caviar e uma metafora de morte e vulnerabilidade; as divas, congeladas num santuario de pedras, remontam ao conceito de divindade de Jung, em que as deusas sao representadas por pedras (Stonehenge, por exemplo), a expressao do mais alto misticismo.

Muniz diz que essas fotos sao uma “reflexao” sobre o valor intrínseco de uma obra de arte: nos diamantes, ele se traduz na relacao entre as estrelas de Hollywood, o brilho/valor das pedras e a nocao de eternidade (quem nao pensa que um “diamante e para sempre”?). Em proporções diretamente inversas, o caviar, apesar de ser menos caro, carrega o mesmo significado simbolico.

Vik Muniz desenha com outros ingredientes efemeros e incongruentes, como acucar, chocolate, catchup, poeira e lixo, papel picotado, arame e linha, tradicionalmente nao propícios à representacao. Os desenhos sao em seguida fotografados.

Essas fotografias sao atordoantes, em todos os sentidos.

Primeiramente, porque sao subversivas. Muniz subverte a nocao classica da fotografia e nos obriga a reavaliar a relacao tradicional de imagem e conteudo numa obra de arte. A historia da arte e tambem a historia dos materiais, nobres, como o marmore de Carrara e o ouro, e pobres, como na arte povera. A arte de Vik Muniz transcende nao so a ideia da simples representacao, mas tambem o conceito da percepcao da materia, da poeira ao chocolate, do sagrado ao profano. O que vemos nao e o que enxergamos. Muniz nao e um ilusionista e prefere se definir como um “deturpador da realidade”. Ao brincar com nossa percepcao, ele consegue aplacar as diferencas entre os mundos real e imaginario.

As fotos desta exposicao provocam uma desorientacao visual e promovem a impossibilidade de ver a imagem e enxergar seu conteudo ao mesmo tempo. Essa duplicidade Ð o double take em ingles Ð e um dos aspectos mais fascinantes da obra de Vik Muniz. e pela conjuncao dessas forcas que o trabalho atinge o maior grau poetico.

Para produzir Divas e Monstros, foram utilizados:
11 mil pedras de diamantes da mais alta qualidade, num total de 550 quilates e valor de 650 mil dolares, e 1 quilograma de caviar das marcas Beluga Imperial e Osetra Royal Malossol, no valor de cerca 17 mil dolares.

Texto escrito para publicacao que acompanha a exposicao Vik Muniz: Divas and Monstros. No Centro Cultural Banco do Brasil, SP, Brasil. March 5-April 24., 2005