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(English) The Most Interesting Thing that Can be Done With Representation

James Elkins

O que há de mais interessante a se fazer com a representação? A melhor forma de começar a responder essa pergunta, que é (ou deveria ser) de vital interesse aos artistas visuais que trabalham com uma variedade de meios artísticos, é a de listar algumas ideias que já foram consideradas a coisa mais interessante sobre a representação:

1. Já não é mais interessante que a fotografia signifique que a “pintural está morta” (opinião de Paul Delaroche, embora ele continuasse pintando). Se a pintural está morta, o está de uma maneira muito mais curiosa do que qualquer coisa que a fotografia lhe pudesse ter causado. (Veja o excelente catálogo de Stephen Melville, As Painting[Como Pintura].)

2. Já não é mais interessante, para a maioria das pessoas que estão fora da ciência, que as máquinas podem replicar características do mundo aparentemente sem intervenção humana. (Veja o trabalho de Raine Daston e Peter Galison sobre este assunto.)

3. Como também não é particularmente interessante que as máquinas podem representar o mundo somente através de ideias que foram articuladas pela história mais antiga da representação visual. (Muitas pessoas já trabalharam nisso, desde Peter Galassi a Daston e Galison; o melhor trabalho é o de Joel Snyder.)

4. Não é interessante, por não ser verdade, que o cubismo e Cézanne arruinaram a representação naturalista e a substituíram por algo totalmente diferente. (Para ler uma crítica convincente, veja o ensaio Other Criteria [Outros Critérios], de Leo Steinberg.)

5. É especialmente desinteressante que a “era da reprodutibilidade mecânica” nos deixou, como dizem, com um anseio nostálgico pela aura de obras únicas. (Veja Walter Benjamin e seus melhores expositores, incluindo Max Pensky.)

6. Já não é mais interessante que o adverso da declaração da Benjamin também seja verdade: primariamente, que as imagens reproduzidas mecanicamente têm a sua própria aura e, portanto projetam um sentido de representação diferente e igualmente persuasivo (como podemos ver em Rosalind Krauss).

7. E falando por mim mesmo, não é particularmente interessante demonstrar a mesmice sufocante das representações (como tem feito a artista Sherrie Levine),

8. Ou de exultar-se em sua levez (Baudrillard, Paul Virilio),

9. Ou decretar o seu terrível vazio (Debord),

10. Ou coligar-se ao campo do demônio e reproduzi-las eternamente (Warhol, e agora Erro),

11. Ou mesmo de tomar todas aquelas aproximações anteriores focadas no objeto do estudo acadêmico (o campo chamado estudos visuais; Nicholas Mirzoeff e outros).

Então o que sobrou a se fazer com a representação?

Entre os artistas contemporâneos, o trabalho de Vik Muniz é exemplar. El faz fotografias de materiais como cinza, açúcar, chocolate, e arame. Antes de fotografá-los, os matérias em si são transformados em imagens. E essas imagens derivam de imagens anteriores e ocasionalmente até mesmo de fotografias. A cinza escolhe uma pintura de Caspar David Friedrich; o chocolate contorna uma das fotos de Pollock pintando feita por Namuth; a sujeira é rapada e moldada numa imitação da “Origem do Mundo”, de Courbet.

Há diversas razões pelas quais pode-se dizer que a obra de Muniz é mais interessante do que qualquer outra no momento. Concordo com Muniz em que parte da resposta está no jogo, no brincar–embora esse palavra seja crucial, ele precisa ser ajustada e constrangida–dentro de “um espaço mágico” (mágica é outra palavra essencial que precisa ser qualificada) “entre realismo e artifício”.

“Eu quero fazer pior ilusão possível que ainda enganará o olho das pessoas em geral”, diz Muniz. “É algo tão rudimentar e simples que o espectador pensará, ‘Não acredito no que estou vendo, pois minha mente é muito sofisticada para cair numa coisa tão tola como essa’.” Isso é diferente da mágica habitual: é mágica pós-moderna, como uma das exposições educacionais de Ricky Jay em que a história e a teoria da mágica, exibidas em velocidade-relâmpago, andam lado-a-lado da exposição de mágica. “Ilusões tão precárias como as minhas”, diz Muniz, “fazem com que as pessoas percebam os enganos que existem na informação visual e o prazer que se deriva dessas falácias. Essas ilusões são feitas com o objetivo de relevar a arquitetura de nos o conceito da verdade”.

Portanto, digamos que, provisoriamente, a representação atinge seu estado mais interessante quando de manira brincalhona demonstra a sua insuficiência–de forma particular relacionada à mágica, e de uma forma que poderia ser descrita como rudimentar ou simples. Parece-me correta esta noção, então tentarei desenvolvê-la num relato mais formal sobre o atual estado da representação. Para fazer isso, voltarei ao início do século XX e a considerar o cubismo, que é a intervenção modernista exemplar na representação. Irei ler o alcance relevante do cubismo através do relato mais perceptivo que existe até hoje, a descrição de T.J. Clark no livro Farewell to An Idea [Adeus a Uma Ideia].

Primeiro, vou minar o texto de Clark em busca de ideias específicas sobre os mecanismos de sucesso no cubismo analítico durante os anos-chave de 1909-1912. Depois, (e espero que Clark me perdoe a continuação, que não acompanha nem um pouco o espírito de seu livro) vou fazer funcionar algumas de suas ideais a partir da construção de uma teoria que seja adequada ao estado atual da representação–uma teoria adequada à prática de Muniz.

O cubismo pode parecer uma escolha obtusa dado que meu tema aqui é a representação contemporânea. No entanto, eu faço essas escolha porque até hoje o cubismo é extremamente mal entendido e, em vista desse fato, é muito mais importante do que jamais foi. Escolho Clark porque em meio às centenas de teorias publicadas sobre o cubismo analítico, a de Clark é de longe a mais refletiva e mais complexa, e, portanto, a melhor para ser apropriada–no modo inevitavelmente descortês do pós-modernismo–para problemas pontuais.


1. O Sentido do Cubismo de Clark

Há de ser dito que o relato sobre o cubismo de Clark está envolvido de maneira extremamente analítica (até o ponto que poucos dos diverso críticos, com exceção de Karsten Harries e Jay Bernstein, entenderam alguma questão), e é também incrivelmente exigente com suas escolhas. Uma das questões que seu capítulo prova responder é a seguinte: O cubismo analítico ou “alto” possui algum ponto alto, um auge absoluto? O cubismo convida a esse tipo de pergunta, e ela tem sido perguntada desde que a sua historiografia desencadeou nos anos 1920. A maioria dos historiadores e críticos se contentam com uma ano (1909), ou com parte de um ano (o verão em Horta de Ebro). Alguns acadêmicos preferem apontar para um estilo (a traiçoeira aproximação ao abstracionismo no verão de 1910), ou para um gênero (os três retratos de Vollard, Udhe e Kahnweiler).

Clark deposita muito mais ênfase na ideia do ponto mais alto, e assim acaba estudando algumas poucas pinturas, e até partes de pinturas individuais. Seu elogio não é desqualificado, uma qualidade que está conectada, em seu relato à natureza do próprio modernismo, que sempre fez tentativas bruscas para falar de ideais impossíveis, mesmo enquanto tentava alcançar destruições impossíveis. Nenhum dos críticos do livro Farewell to An Idea conseguiu decifrar muita coisa de algumas passagens em que Clark critica severamente os pontos aparentemente altos do cubismo. Ele acha que os retratos de Udhe e Vollard são “episódios pouco felizes (a particularização neles parece pouco distante do kitsch)”.

O terceiro do trio dos retratos canônicos, o Retrato de Kahnweiler, está descrito como “animado (para não dizer um pouco ardiloso)” (212). O resultado é que o cubismo fica reduzido aos poucos estudiosos, e esses são tão obstinados, estão disseminados, ou projetados como um estilo. Assim, o “alto” cubismo se transforma ou menos sistemáticos. Até mesmo Braque, de quem Picasso falava como um companheiro de viagem, é rebaixado.

Afinal, o que é o cubismo se não é sistemático o suficiente para ser o movimento ou estilo que é considerado universalmente? “Não é uma linguagem”, diz Clark, “embora tenha as mesmas características” (223). Picasso foi seu único falante da língua materna, e mesmo ele não falava a língua da forma que alguém que pode escolher que língua quer falar. No relato de Clark, a pintura cubista está mais próxima à fala de línguas: chegou em Picasso de forma conturbada, e quando ele emergiu de um de seus transes, tentou continuar, embora inevitavelmente e sem êxito, de maneira lógica o que tinha acabado de realizar de forma muito pouco lógica.

Isto é muito mais estranho do que pode parecer de início. Basicamente a ideia é que o cubismo não foi um movimento no sentido comum, mas um tipo de produção conturbada. Seus momentos de verdadeiro sucesso também foram mementos de cegueira ao método e à história, e até mesmo à possibilidade de continuar. Também não é que o cubismo possa ser mais bem imaginado no contexto de um restrito conjunto de obras: é que o conjunto em si é uma ficção, pois está composto de trabalhos secundários que compreendem mal os seus poucos precedentes inassimiláveis. E não são somente movimentos e as suas etiquetas que correm risco no capítulo de Clark: é a coerência do próprio modernismo, pois um movimento reduzido aos poucos semifracassados e isolados estragaria as suaves transições que tornam possível a história da arte.

E o que foram exatamente aqueles momentos de meio-sucesso? Pensemos por exemplo em outra obra canonizada, a pintura Resevoir [Represa], em Horta de Ebro. Clark diz que a “aposta” da pintura é “que seria justamente atenazando a aporia e as dúvidas da representação”–os inevitáveis cubos de Necker, as convexidades e concavidades reversíveis do espaço–“que um novo sistema de espaçamento e separação das partes de um mundo seria gerado” (203). É necessário ler isto com calma: não é uma afirmação que as ilusões de estilo da psicologia Gestalt eram um caminho plausível para o desenvolvimento da pintura cubista no verão de 1909.

A ideia é que a “aposta” da pintura é de “operar a maquinaria do ilusionismo por tudo que ele vale”, para que a maquinaria se abra” exatamente ali em seu oposto ou no chão” (203). A pintura era um momento de clareza, e por essa mesma razão provou ser uma aposta inexequível. Em Cadaqués, no verão de 1910, Picasso perseguiu outro propósito, que foi posteriormente entendido como um namoro com a abstração. Era “finalmente” uma “‘solução'”, porém “de tipo profundamente adversa. Picasso foi a última pessoa a querer, ou possivelmente a enxergar, como perseguir a solução de Cadaqués até a sua conclusão lógica (sendo Mondrian o primeiro)” (192).

O que o cubismo precisava e ocasionalmente alcançava era algo muito mais difícil. Para descrevê-lo preciso dizer antes que entre os diversos interlocutores do relato de Clark estão os modernistas (representados inevitavelmente por Clement Greenberg, mas também por Michael Fried e William Rubin), E “os seus herdeiros semióticos” (que costuma abranger Rosalind Krauss, Hal Foster e o círculo em torno do jornal October). O trajeto de Clark entre os dois lados é uma questão de manter um tipo de asceticismo comum sobre a noção modernista clichê de que “a referência às coisas do mundo simplesmente cessou com o alto Cubismo”, e ao mesmo tempo fartar-se da noção “semiótica” de que o cubismo mantinha um forte laço com “o jogo cada vez mais livre do significante, um conjunto de dispositivos que descobriam simplesmente que a diferença entre eles é o suficiente para criar um mundo” (181,183). Resumindo: os modernistas descreveram o cubismo inadequadamente como sendo o primeiro passo longe do ilusionismo e rumor à pureza da abstração, e “semióticos” pós-modernos o viram como o prototípico salto da dependência semântica no mundo a um sistema autorreferencial, a um código de sinais que desviam e jogam entre si para criar significado.

A pintura cubista se torna interessante quando evita, de maneira específica, esses dois modelos, e é aqui que eu me aproximo do insight que parece ser tão importante para o trabalho de arte atual. O cubismo “deve ser um córrego de metonímias” (um conjunto de sinais autorreferenciais) ao invés de “um arrumado arranjo metafórico” (uma destruição nominável do ilusionismo, por exemplo). Mas de uma forma ou de outra não pode jamais ser arrumado (185). O cubismo tem de negociar as alternativas, e o faz ao menos de sete formas:

1. Pretensão. Obras de arte “diferente dramaticamente” em sua “vontade para admitir, ou para ‘colocar em primeiro plano’, a arbitrariedade do sinal” (185). Algumas obras cubistas “resistem intensamente”, mas nenhuma obra a não ser as pinturas formuláveis esquecem que estão “fingindo” ser uma pintura em algum sentido pleno e despreocupado.

2. Insuficiente. Segue-se que o trabalho interessante não perde de vista a “metáfora de (sua) própria insuficiência”.

3. Ineficiente. Uma pintura que perde isso de vista é aquela parte autoconfiante superior da inacabada pintura Mulher com Bandolim (1912), onde Picasso esquece que “atos de ilusionismo” são justamente isso: não devem ser vistos “funcionado muito eficientemente” (191).

4. Simulação. O cubismo não se tratava de “uma criação de uma nova descrição do mundo”, e não era especialmente uma resposta a novas ideias na física ou na filosofia (213). Foi uma forma de “simular” tal descrição. Observe que simulação é mais complicado do que a simples reprodução mecânica: é autoconsiente, e fundada no inevitável fracasso da iteração perfeita.

5. Jogo. Portanto, no máximo o cubismo brinca com a ideia de produzir um novo tipo de ilusão adequado à nova situação da pintura: ele imita o antigo oficio da pintura como sistema.

6. Fracasso em várias frentes simultaneamente. Os momentos mais interessantes do cubismo são quando ambos–“a semelhança bruta ou esquemática” e o “livre jogo de significantes”–são parcialmente depreciados uma vez que recebem um novo “status subordinado” (218).

7. Materialidade basal. Ambas operações acontecem “sobre a superfície”–sobre e com a pintura–e não como se tivessem sido projetados de algum lugar fora da materialidade da pintura (221).


2. Representação Interessante

É até esse ponto que desejo condensar o relato de Clark. E eis aqui a moral que quero extrair para o trabalho contemporâneo em representação: Ele tem de estar ciente de que ambos o livre e alegre jogo pós-moderno de significantes, desacorrentado do mundo, e a alegre rejeição modernista das aparências em favor de algum regime representacional novo, são ao mesmo tempo não-recomendáveis e impossíveis dentro do projeto de artes visuais desde o cubismo. As duas questões têm de ser colocadas a partir da arte visual, manipuladas como um jogo no qual uma vitória poderia constituir ou um momento de otimismo enganado ou um momento de cegueira que não pode ser repetido. O trabalho da representação é o de simular as condições sob as quais uma representação adequada poderia ter existido um dia, sem abrir mão de nenhum dos dois jogos (o metafórico e o metonímico, ou ilusionista e o semiótico, ou moderno e o pós-moderno–a despeito de sua nomeação).

É dentro deste contexto que eu gostaria de ler as fórmulas de Muniz. Já mencionei o jogo, que tem a mesma valência tanto no trabalho de Muniz como na descrição de Clark (embora essencial, facilmente desagravado). A simulação pode ser divertida, mas é interessante simplesmente para brincar com o ilusionismo. A simulação, a verdadeira simulação, é um negócio muito sério e não uma caçoada como o é para Jean Baudrillard e Paul Virillio. Para brincar e simular, eu vou agregar mais três termos que são propriamente de Muniz:

8. A mágica agora é claramente uma situação em que a mágica antiquada de estilo Zeuxis permanece possível, mas nunca pode ser colocada em controle de um quadro. A nova mágica está cercada: acossada por evidência cuidadosamente planejada de sua própria impossibilidade, e gozada pela continuação de sua própria existência nos quadros.

9. O ilusionismo “demostra a sua insuficiência”, como diz Muniz, mas não facilmente. os melhores quadros contemporâneos, como o melhor cubismo (a tradição é contínua, apesar das aparências), podem estar “intensamente comprometidos” em negar a sua insuficiência, mas no final a negação não pode ser deferida.

10. A “pior ilusão possível” que Muniz menciona é de fato a melhor ilusão possível, aquela em que as possibilidades da imagem são mostradas como os destroços que se tornaram: ainda funcionando, mas com dobradiças enferrujadas, gemendo, a ponto de desistir. O cubismo sempre foi a “pior ilusão possível” (suas cores lamacentas, as pinceladas dos tijolinhos), e é o precedente para todo trabalho que ainda precisa cair até o fundo de um barril de ilusionismo.

Acredito que esses dez pontos sejam o início de uma teoria viável do estado contemporâneo da ilusão, e uma reposta à pergunta com a qual comecei. (Há ainda um décimo primeiro ponto que guardarei para o final.)

Obras como 6,200 Yards (lighthouse) [6,200 Jardas (Farol)], uma fotografia de uma imagem feita com barbante, funciona com cada um desses critérios. Sem dúvida trata-se de “mágica”, e a mágica certamente está entre aspas, Muniz é extremamente habilidoso, um requisito para qualquer mágica: mas ele também é um mágico com a tendência de expor algo da maquinaria–como Rick Jay fazendo um truque com uma carta gigantesca, só para garantir a visibilidade dos gestos. Apesar da habilidade de Muniz com desenho acadêmico tradicional, o barbante demonstra a sua insuficiência, mas relutantemente.

Materiais como barbante, chocolate, arame, algodão e açúcar rebaixam as obras, pois são a sua “materialidade basal”, e também jogam com a seriedade do alto ilusionismo. Há diversas razões para acreditar que as imagens de Vik Muniz são melhores com fotografias do que como peças únicas feitas com barbante, chocolate, arame, algodão, ou açúcar. uma razão é que os próprios objetos arriscariam tornar-se cafonas (e brincando nas mãos de Baudrillard) ou milagrosos (brincando nas mãos de Benjamin) se fossem exibidos dessa forma. Mas a razão mais importante, a meu ver, é que a foto introduz o tema da simulação contínua do cubismo, ou uma consequência inevitável dele, mas segue uma lógica que foi inaugurada pelo cubismo. A representação tornou-se isso, e os experimentos de Muniz estão entre os melhores e mais promissores trabalhos atuais.


3. Armadilhas para a Representação

Os onze pontos que integrei aqui são muito difíceis, e é por isso que os artistas que tentam encurtar a lista evidenciam que não estão jogando com seriedade suficiente. Há muitas maneiras de aliviar o fardo–portanto terminarei com uma sequência de fotografias que mostram alguns dos pontos mais sedutores.

A Placa nº 1 é uma reprodução de uma das águas-fortes de Rembrandt de seu amigo Jan Six, e a Placa nº 2 é uma aplicação. Eu fz estas gravuras há alguns anos para demonstrar alguns dos problemas que surgem no ensino da arte através de reproduções. Aliás, estas duas primeiras placas não são gravuras de Rembrandt exatamente. Elas foram feitas a partir de uma fotogravura do século 19 baseada na gravura original do Rembrandt. As fotogravuras podem alcançar uma semelhança admirável dos originais. Os departamentos de gravura de museus na Europa costumavam manter em seus acervos coleções de fotogravuras para mostrar aos seus clientes mais ingênuos, e assim protegiam os originais de demasiada manipulação. Somente os especialistas que sabiam a diferença tinham acesso aos originais. (Em meu programa de doutorado, ensinaram-nos a enxergar a diferença para que não fôssemos iludidos quando viajássemos ao exterior.) Mas no nível de ampliação da Placa nº 2, não emerge alguma diferença apreciável entre a fotogravura e o original.

Essa diferença indivisível é bastante interessante. Mas é uma diferença conceitual, portanto um jogo que os fotógrafos não estão jogando. Essa é uma das maneiras pela qual a criação de quadros, de composições representativas, saltam o regime exigente que venho descrevendo aqui–substituindo as diferenças conceituais e teóricas para questões trabalhadas nas próprias composições.

Torna-se ainda mais interessante quando chamo atenção ao fato de que as Placas nº 1 e 2 não são realmente fotografias de fotogravuras. A imagem como pode vê-la aqui é, na realidade, uma gravura de uma fotografia de uma fotografia de uma gravura de uma fotografia de uma gravura, porque a gravura original foi fotografada transformada em outra chapa, impressa, e fotografada; e foi depois desse processo todo que eu enviei a fotografia para o editor, onde foi re-fotografada (ou escanada) e impressa em diversas cópias. Esquematicamente:

(1) Água-forte original de Rembrandt
(2) Fotografia do século 19 da gravura
(3) Fotografia utilizada para produzir uma chapa de metal
(4) A fotogravura em minha coleção
(5) A fotografia que fiz dessa fotogravura
(6) O arquivo escanceado de minha fotografia
(7) Placa nº 1 como está reproduzida aqui, e em todas as outras cópias.

Agora, esse tipo de iteração serve como fonte de prazer entre os escritores que seguem a Rosalind Krauss na descoberta de valor no próprio conceito de iteração. O medievalista Michael Camille escreveu um ótimo ensaio sobre esse assunto, titulado “The Très riche heures in the Age of Mechanical Reproduction”: em seu ensaio, cada edição do manuscrito original medieval tem um valor diferente. Se você for ao Chantilly nos arredores de Paris lhe mostrarão uma das reproduções, sem lhe dizer que é uma reprodução. Somente pouquíssimas pessoas viram o original. Camille não o tinha visto quando escreveu seu ensaio, mais isso não era um problema porque Camille adora reproduções, e às vezes mais do que os próprios originais. Outro medievalista, , Herbert Kessler, viu o original de Très riche heures, que são mantidos em Chantilly atrás de portas lacradas; ele reporta nuances que ainda não foram capturadas por nenhum processo fotográfico.

Essa história ilustra ainda mais dois perigos para a arte que joga com a reprodutibilidade: ou cai na devoção pela aura de Benjamin, ou escorrega nas pequenas alegrias da reprodução interminável, e o pálido conforto da noção de que, no final, o mundo não é nada mais do que reproduções. Ambas são muito fáceis.

A Placa nº 3 é a mesma obra de arte tal como foi reproduzida em um livro titulado Rembrant: Experiment Etcher [Rembrant: Gravador Experimental], publicado em 1969. Esse livro tem uma das melhores reproduções dessa imagem. Neste detalhe pode-se ver tanto a textura do papel e os pontinhos de meio-tom. As marcas menores deixadas pela agulha se perderam: aquelas ao redor do queixo de Jan Six por exemplo. Em comparação com as primeiras duas placas, esta é pior, mas para os interessados nas gravuras de Rembrandt, é o melhor que se pode conseguir. Essa comparação injusta, a que eu procurava quando fiz estas imagens, aponta as fotografias diretamente para o ideal “metafórico” do ilusionismo, que é ainda tão comum nas artes visuais, e tão exaurido.

A Placa nº 4 é uma fotografia de um slide da coleção de ensino da Universidade de Chicago, visa projetada numa tela dentro de uma sala de seminário escura. Está distorcida (o rosto de Jan está um pouquinho espremido) porque eu fiz a fotografia desde um assento situado no lado da sala, como estariam a maioria dos assentos dos alunos. Sentei-me a uns cinco metros para trás para evitar que a textura da tela em si fosse visível. A Placa nº 4 é de fato o relutado final de outra sequência de sete passos:

(1) Gravura original de Rembrandt
(2) Fotografia do século 20 da gravura
(3) Fotografia utilizada em livro (não-identificado)
(4) O slide da universidade, tirado de um livro
(5) Minha fotografia feita na sala de aula
(6) O arquivo escanado de minha fotografia
(7) Placa nº 4 como está reproduzida aqui.

A diferença entre as Placas nº 2 e 4 é interessante por si só, e não somente em função do que nos diz a respeito do que os alunos veem. Representa um outro trajeto, com um número igual de passos, a partir de dois “originais” diferentes até os seus formatos finais. Essa diferença é um passo na direção certa porque expõe simulação além da reprodução mecânica Benjaminiana.

Mas este ganho se rompe com meu último exemplo. A Placa nº 5 é uma fotografia feita da tela de um computador. A imagem estava composta por um arquivo relativamente grande que preenchia metade da tela de um monitor de 17 polegadas. Mais uma ve, o seu trajeto desde o “original” até o formato final foi diferente. mas desta vez, a fricção, a “materialidade basal”, está totalmente ausente. Este é o jogo livre que Baudrillard, Virilio, e tantos outros apreciam enormemente. Par a representação, é uma viela sem saída.

Par que o trabalho sobre a representação (ao contrário da representação memorizada) vá adiante, ele tem de ir mais ou menos na direção que Muniz o está empurrando. Minha última Placa é a que mais se aproxima desta noção, fracassando com menos obviedade.

Esta é uma fotografia duas baratas. A de baixo é de borracha. Alguém a está segurando para baixo e utilizando a ponta quebrada de um lápis para levantar uma de suas asas de borracha e revelar a inscrição estampada: “MADE IN HONG KONG”. A de cima é uma verdadeira barata viva de Madagascar, a maior em sua espécie no mundo. A mesma mão que toca a barata de borracha não está tocando o inseto verdadeiro porque a sua carapaça está envolta em uma substância parecida com a cera que causa erupções cutâneas, aumenta a pressão sanguínea e eleva a batida cardíaca, às vezes causando até arritmia.

Ninguém toga essas baratas, embora seja seguro deixá-las rastejar a mão se se tem estômago para suportar as picadinhas causadas pelas pernas, que apertam para sustentar-se sobre a superfície. Esta fotografia é sobre ilusionismo, mas auto-refletividade não é a única carta em jogo. É um tanto engraçada, mas também amarga. Encena a sua natureza simulada mas só entrega o seu apego ao ilusionismo com relutância. Conta uma história sobre a reprodução, mas sem propor que não há um original. É brincalhona, mas não de forma infantil ou simplista.

O problema com essa imagem, e a razão pela qual pertence ao grupo de outras fotografias fracassadas, é que não revela suficiente esforço em qualquer que seja o lado da educação metáfora-metonímia, ou semiótica-ilusionismo. Se Muniz tivesse feito essa imagem, as duas baratas terias sido esculpidas a partir de dois bichinhos. Isso poderia ter funcionado. Não é fácil realizar trabalhos interessantes com a representação, e uma das regras cruciais é aquela sobre a qual Clark tanto insiste desde o início, que também encontro no trabalho de Muniz. É o meu último critério para representação interessante.

11. Contingência. Há uma profunda razão na busca de Clark por passagens individuas e momentos transitórios no cubismo, e é por isso que ele conclui que o cubismo como um todo não é uma linguagem: porque no modernismo a representação não é mais dada. Não tem como ser recuperada, em qualquer forma que seja, de sucessos anteriores, e também não pode ser configurada em fórmula e repetida, ou emulada, ou codificada para a escola, o estilo ou o movimento. Representação interessante tem de ser redescoberta a cada novo contexto. Muniz faz isso intencionalmente: algumas esculturas de algodão, um pouco de argila, um pouco de açúcar, chocolates M&M, xarope de mel… podem parecer satíricos ou incertos, mas é justamente o contrário: são fiéis à única forma que a representação sabe trabalhar. Qualquer outra tentativa seria pragmática, do mesmo modo como Braque mal-interpretou Picasso, Picasso se mal-entendeu. Clark define a fidelidade absoluta ao contexto irreproduzível como contingência, a traça no modernismo começando com Jacques-Louis David. O cubismo funciona quando “faz com que as nossas metáforas da matéria reinstituam… a contingência pura a cada momento” — isto é certificando-se de que as invenções da pintura, os seus “sinais”, sejam refeitos a cada passagem e em cada pintura, para que respondam à exata ocasião da pintura (220-21). A qualquer instância teria sido mais fácil que Picasso tivesse confundido o cubismo com um estilo, como fizeram Léger, Gris, Luarens, Metzinger, Kubista, Filla e tantos outros.

Contingência não é extremamente o mesmo que a regra do avant-garde–e a sua infidelidade para com os requisitos exatos do trabalho em questão–o inevitável deslize da contingência rigorosa. O avant-garde como disse Greenberg, exige moção perpétua, porém essa moção pode como frequência ser mal-resolvida–algo nada além do que um ímpeto desconsiderado para mudar os estilos a cada estação. A obra de Muniz é exemplar: embora seu trabalho esteja em constante transformação, ele não flutua sem direção à moda do avant-garde: permanece fixo à questão da representação, à matéria e à estratégia do momento, para poder dizer a coisa mais interessante sobre a representação que é possível dizer a cada momento.