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Texto para o folder da exposição Relicário

by Ligia Canongia

Vik Muniz despontou na cena artística mundial em 1988, quando realizou sua primeira exposição individual em Nova York, apresentando objetos e esculturas que já anunciavam sua habilidade em fundir realidade e ficção, matéria e pensamento, humor e crítica. Nos anos 90, em estratégia decisiva para o desenvolvimento da obra, incorporou a fotografia como mídia essencial do trabalho, reconhecendo nela o canal ideal para discutir questões como ilusionismo e cópia, fundamentos recorrentes e estruturais de seu universo.

Ao longo dos últimos vinte anos, o artista consolidou-se como um dos expoentes da cena contemporânea internacional, realizando exposições em conceituados museus e instituições do mundo, incluindo as bienais de São Paulo, Whitney, Moscou e Veneza. Hoje, sua obra encontra-se representada em acervos notáveis, como os do Museu de Arte Moderna de Nova York, a Tate Galery, em Londres, e o Centro Georges Pompidou, em Paris.

Na exposição atual – “Relicário”, Vik Muniz recupera os objetos da década de 1980, unidos a outros, inéditos, e a peças fotográficas, que tentam configurar a atmosfera de um museu histórico, com simulação de certo perfil etnológico e tradicional. Revestidos por essa ambiência austera e reverente, contudo, os trabalhos resvalam e deslizam para além do espaço físico e seus displays, escarnecendo da própria museologia e, com ela, a História e a Tradição. Objetos e cenas apropriadas da banalidade do cotidiano, engendradas em montagens de extrema ambigüidade e plenas de humor, as obras parecem, desta vez, ‘arrastar’ todo o ambiente para o conflito que já carregam em si mesmas, ou seja, a indeterminação entre o real e o ficcional, o falso e o verdadeiro, a origem e o simulacro e, por fim, a irracionalidade e a lógica.

O aspecto pretensamente documental da exposição nada descreve senão o avesso da idéia de ‘documento’, a sua insuficiência como registro da verdade, permitindo que os objetos e as imagens delirem na incongruência latente do mundo, e se desviem dos regimes convencionais da percepção. Tudo em Vik Muniz tem duplo sentido, e apesar de o artista declarar que “ver é acreditar”, as perguntas que se colocam são sempre: o que vemos? em que podemos acreditar? O desafio da obra é construir a réplica do irreplicável, uma vez que, nela, o modelo é uma idéia tão ilusória quanto da cópia. O simulacro, ali, mantém o real à distância, transgride a representação, mesmo que produzindo os efeitos dessa representação, e nisso reside a sua complexidade. Assim, Vik Muniz proclama a falência das evidências, lançando o espectador à tarefa de enfrentar sua própria ilusão. Seu trabalho é um golpe sorrateiro nas expectativas do senso comum e, em tom de escárnio, realiza uma torção perversa no poder das imagens do mundo contemporâneo.